blog da Lori

não é uma coisa só

na época de ouro dos blogs tinha um texto do Alexandre Soares Silva q me marcou, eu não lembro do conteúdo, mas eu lembro q a motivação do texto era um video de um jornalista q tinha sido sequestrado e assassinado por algum grupo extremista e q na hora q ele vai ser executado ele reage pra mostrar q "é assim q morre um italiano".

e aí o Lord Ass (como era conhecido o blogueiro na época, hj ele é escritor) falava q não tinha essa coisa. ele não tinha uma coisa q o fizesse bater no peito e lutar antes de morrer. eu não tenho certeza mas no final ele concluía q se estivesse naquela situação mostraria q era assim q morria um corinthiano. (posso ter inventado essa parte)

o meu ponto nisso tudo é: brasileiro não é feito pra guerra.

brasileiro é feito pra diplomacia. pra festa. chama a gente pra uma festa q vamos todos (quase). mas pra lutar por ideais é muito improvável.

se a Venezuela quiser nos anexar vamos ser a Venezuela do Sul. não é só pq nossas forças armadas são uma piada (de mal gosto). é só q a gente não se importa. a gente mantém nossa essência cultural através de bairrismos q reforçamos com piadocas. os únicos q levam essa coisa (mais ou menos) a sério são os gaúchos e a gente fica "vai lá gaúcho.... depois a gente vê se vai". e deve ser pq eles tão na fronteira. e mesmo na fronteira tem gaúchos dos dois lados da linha.

tem um ou outro ponto geográfico bem limitado onde somos hostis com nossos vizinhos e em todo o resto vemos os vizinhos como nossos irmãos. como nossos iguais.

e mesmo com a diferença da língua, e mesmo q o status quo não permita q a gente se veja. olha como a mídia nos priva de saber dos outros latino americanos. quando a gente bate o olho um no outro a gente vê que somos da mesma família.

foi extremamente emocionante a comoção latino-americana na época do acidente da chapecoense. foi revelador o quanto somos iguais e o quanto, dada a chance, a gente se ama.

agora no oscar a jacuzona da globo falando pro selton mello "chupa argentina". não tem UMA pessoa q esteja minimamente envolvida com cinema q não reverencie e respeite o cinema argentino. de todos nossos irmãos eles são os melhores da sétima arte. quando a ancine financiava o cinema no brasil quem a gente chamava pra brincar junto eram nossos irmãos, a argentina pq tem "o olhar", os chilenos pq são craques em produção, toda a América Latina faz seu próprio cinema com sangue, suor e lágrimas. e a gente consegue fazendo junto.

o brasileiro tem uma produção audiovisual muito contaminada pela estética globo. se a gente não chamar os vizinhos nossos filmes ficam ó: uma bosta.

repara q essa coisa de "verás q um filho teu não foge a luta" é recente. é papo de patriotário. tem seu lado ruim, por exemplo, como depois da ditadura militar aceitamos uma anistia. mas tem seu lado bom tbm, o brasileiro é otimo em resolver as coisas na diplomacia.

até essa coisa de religiões conflitantes é novidade. até os anos 90 o brasileiro médio ia na missa, batizava, casava na igreja católica, mas não deixava de ir numa mesa branca ver se algum parente falecido tinha algum recado, não deixava de fazer oferenda pra Iemanjá e pedir pro pai de santo jogar uns búzios e pra senhorinha que vivia no meio do mato tirar o quebranto das crianças com ervas e encantamentos.

aí veio o edir macedo quebrando imagem de nossa senhora ao vivo na tv. ali q começou. a tradição brasileira verdadeira é não gostar de crente. pq os crentes criam divisões onde não precisa dividir. ainda é. só crente gosta de crente. pena q agora eles são maioria.

até lgbtfobia (q ainda é enorme no brasil) era terrível, mas ninguém perdia o tapete vermelho do Gala Gay no carnaval. ninguém deixava de ouvir Cazuza, Renato Russo, Cássia Eller. Rogéria e Jorge Lafond eram estrelas conhecidas nacionalmente. Roberta Close era capa da playboy.

no fundo a nossa natureza é aceitar, é deixar ser, cada um viver a própria vida. pra mim ser brasileiro tem a ver com isso.

e vem o pessoal pra cá, forma suas "colônias", a gente se orgulha. maior comunidade de japonês fora do Japão, maior comunidade de libanês fora do Líbano. ninguém é perseguido. os colonos alemães tão desde o século XVIII falando q são alemães e, até eles começarem a ficar nazi, a gente falava "que lindo, faz Oktoberfest sim, fica a vontade, a casa é sua".

a gente falhou com os povos originários. a gente falhou com a população negra. mas a gente estava tentando acertar. a lei contra o racismo, a proteção das religiões de matriz africana, o reconhecimento das comunidades quilombolas tudo foi recente. falta muita demarcação de terras indígenas. falta a gente dar condições e espaço pra esses povos florescerem como a gente deixava todos os povos florescerem aqui. mas eu acho q a gente consegue. eu acho q a gente chega nesse lugar.

então realmente não tem como convencer um brasileiro de ter esse orgulho bélico de ser brasileiro. pq ser brasileiro não é ser uma coisa só. é ser todas as coisas ao mesmo tempo. é ter todos os fenótipos ao mesmo tempo. é ter uma árvore genealógica com raizes em todos os lugares. é ter todas as crenças. é ter todas as sexualidades e identidades de gênero. é ter todas as cores e formas.

isso era quem a gente era e quem a gente vai voltar a ser.

é a nossa natureza.